Cancer e o Microambiente Tumoral
Cancer e o Microambiente Tumoral
Cancer e o Microambiente Tumoral
Onuchic AC, Chammas R. Câncer e o microambiente tumoral. Rev Med (São Paulo). 2010
jan.-mar.;89(1):21-31.
RESUMO: Antes tido como um conjunto de células alteradas em proliferação, hoje o câncer
é mais bem entendido como um microambiente, em que as interações entre os elementos
celulares e moleculares que o compõem são determinantes na progressão tumoral. Como
resultado, a compreensão do evento neoplásico ganha complexidade crescente. A dinâmica
das células tumorais passa a ser avaliada como parte de um verdadeiro tecido tumoral, sujeita
a condições de vascularização, de oxigenação, de pressão intersticial e de necrose tecidual,
que influenciam na cinética tumoral. Estão sendo identificados novos componentes deste nicho
tumoral e as suas respectivas atuações. Entre esses integrantes, encontram-se os elementos
da imunidade, cuja modulação tem sido demonstrada por uma série de pesquisas aqui revi-
sadas, tanto no sentido da vigilância imunológica, como pressão seletiva negativa, quanto no
favorecimento da progressão tumoral. Esta revisão analisará a neoplasia do ponto de vista de
um microambiente tumoral, focando na participação imunológica e na cinética tumoral, expondo
as principais idéias e descobertas que criaram e estão aperfeiçoando o conceito de câncer.
INTRODUÇÃO
N
o modelo atual da oncogênese, o genética induzida por radiação, por substâncias
câncer surge a partir de células que químicas ou por infecção viral. Uma única mutação,
sofrem uma seqüência de mutações no entanto, dificilmente leva à formação de um tumor;
ou alterações genéticas. Tais alterações podem para que esse processo ocorra, são necessárias
ser resultados de uma variedade de fatores, tanto duas a seis (ou mais) modificações genéticas, que
intrínsecos, como mutações genéticas herdadas irão progressivamente interferir nos mecanismos
ou erros aleatórios na replicação do DNA, quanto responsáveis por proliferação, diferenciação e morte
extrínsecos, por exemplo: dano e instabilidade celular19,30.
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IMUNIDADE E CÂNCER
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ser ativado por IL-6, EGF (epidermal growth factor, neoplásico e pior prognóstico. Um estudo muito
fator de crescimento epidérmico) e VEGF (vascular interessante, realizado em camundongos que não
endothelial growth factor, fator de crescimento vas- expressam CSF-1, mostrou que a ausência deste
cular endotelial), entre outros. A atividade do STAT3 fator não afetou a formação dos tumores mamários
promove a sobrevivência de células tumorais pelo murinos primários, porém atrasou tanto o recrutamen-
aumento da proteína anti-apoptótica Bcl-xL, descrito to de macrófagos para o tumor como sua progressão
em células de mieloma múltiplo, além de promover para malignidade e metástase para o pulmão6,17.
a síntese de citocinas e fatores de crescimento que Em tecidos em desenvolvimento ou em re-
impedem a maturação de células dendríticas, com- paro, os macrófagos exercem papéis fundamentais,
prometendo a atividade anti-tumoral de células T CD8 estando envolvidos na remodelação de matriz ex-
e células NK2,18. tracelular, retirada de células apoptóticas, migração
NF-kB é o principal ativador da resposta epitelial e angiogênese. No tecido tumoral, onde
imune e inflamação, e sua estimulação aumenta a ex- recebem o nome de “macrófagos associados ao
pressão de citocinas pró-inflamatórias, quimiocinas, tumor” (TAM – tumor-associated macrophages), os
fatores de crescimento, metaloproteinases, moléculas macrófagos são recrutados e cooptados pelas células
de adesão e proteínas anti-apoptóticas. Evidências alteradas, sofrendo uma diminuição de sua função
indicam que a ativação constitutiva de NF-kB é en- imune e uma exacerbação de sua função trófica.
contrada em grande parte de linhagens celulares e Condeelis e Pollard6 propõem como principais ca-
tecidos tumorais5. NF-kB é ativado principalmente racterísticas que levariam os macrófagos a contribuir
pela via dos receptores Toll-like (TLR), tendo como à progressão tumoral: inflamação, remodelação de
intermediário a proteína MyD88. Os TLRs são re- matriz, angiogênese, disseminação, intravasamento,
ceptores de membrana que reconhecem padrões e invasão das células tumorais.
moleculares conservados de origem microbiana, Uma das principais evidências da participa-
conhecidos como PAMPs (pathogen-associated ção dos macrófagos na progressão tumoral foi a des-
molecular patterns). Tais padrões incluem LPS, ácido coberta de uma interação parácrina entre os mesmos
lipoteicóico, e RNA de simples ou dupla fita. Além dos e as células tumorais. Macrófagos perivasculares
ligantes microbianos, os TLRs também são capazes secretam EGF, captado pela célula tumoral, que
de reconhecer ligantes endógenos, especialmente expressa receptor de EGF (EGFR), e assim realiza a
TLR2 e TLR4, como as heat shock proteins (HSP), quimiotaxia até o vaso sanguíneo. As células neoplá-
high mobility group box 1 (HMGB1, uma citocina sicas então secretam CSF-1, que atrai macrófagos e
pró-inflamatória) e fibronectina (presente na matriz os estimula a produzir mais EGF, completando um cír-
extracelular), entre outros (25). A participação da via culo parácrino. A sinalização entre as células também
TLR–NF-kB na progressão tumoral foi demonstrada afeta a atividade de WASP e N-WASP, reguladores
nos últimos anos. Observou-se que a administração de actina, resultando na formação de podossomos
sistêmica de LPS, ligante de TLR, aumenta a migra- nos macrófagos e de processos invasores nas célu-
ção, invasão e angiogênese de sítios secundários de las tumorais, com consequente intravasamento das
células metastáticas de adenocarcinoma de mama. células neoplásicas (Figura 3)6,33.
Além disso, camundongos deficientes em TLR4 mos-
tram uma incidência reduzida de tumores colorretais
em comparação a camundongos normais2,5,18,25.
MACRÓFAGOS
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Usando uma técnica conhecida como microscopia recente evidencia uma forte influência da presença
multi-fóton, mostrou-se que, em um modelo de câncer de células apoptóticas no microambiente tumoral,
de mama murino, o intravasamento da grande maioria modulando a progressão do câncer. Duas linhagens
das células tumorais ocorre em associação com celulares murinas de melanoma, Tm1 e Tm5, são
macrófagos perivasculares33. invariavelmente tumorigênicas em doses maiores
É importante notar, entretanto, que os que 104 células, enquanto doses de 103 células ou
macrófagos não formam uma população homogênea. menos raramente resultam no desenvolvimento de
Monócitos são recrutados da circulação e adentram um tumor. No entanto, demonstrou-se que uma
o tecido, onde se diferenciam em macrófagos dose subtumorigênica de células cancerígenas (103),
com fenótipos distintos, de acordo com fatores injetada conjuntamente com células apoptóticas, per-
presentes no local. Há classicamente dois grupos de mite o desenvolvimento das células tumorais, com a
macrófagos, diferenciados de acordo com seu modo formação de uma massa tumoral. Formula-se que a
de ativação, receptores e citocinas produzidas: M1 importância da co-inoculação de células apoptóticas,
e M2. Os macrófagos do tipo M1 são ativados por e não necróticas, esteja no infiltrado inflamatório tran-
produtos microbianos ou IFN-γ, produzem citocinas siente gerado, caracterizado pela grande presença
pró-inflamatórias, como IL-12, IL-23, IFN-γ, IL- de macrófagos e neutrófilos7.
18, TNF-α e atuam na resposta contra patógenos Realmente, evidências desse mesmo estudo
(especialmente parasitas intracelulares) e células mostram que o implante de células tumorigênicas em
tumorais. Os macrófagos do tipo M2, por sua vez, camundongos deficientes em receptor de bradicinina
são ativados por citocinas como IL-4, IL-10 e IL- subtipo 1 (BK1-R) não foi positivamente regulado
13, possuem receptores de manose e galactose, e pela co-injeção de células apoptóticas. A bradicini-
produzem VEGF, IL-6, IL-10, PG, iNOS, IDO, agindo na possui um importante papel na resposta imune,
no reparo tecidual, remodelação, e angiogênese, regulando principalmente a migração de neutrófilos
contribuindo potencialmente à progressão tumoral. para o sítio de inflamação7. Além disso, a ausência
Recentemente, o grupo M2 foi subdividido de acordo de BK1-R nos neutrófilos pode estar relacionada à
com seu modo de ativação em M2a, ativado por não-indução da apoptose, fundamental para a con-
exposição a IL-4 e IL-13; M2b, induzido por exposição clusão de processos inflamatórios22. A ativação do
combinada a imunocomplexos e agonistas de TLR BK1-R ainda contribui à resposta inflamatória com a
ou receptor de IL-1; e M2c, ativado por IL-10. Os produção de citocinas (IL-1β, TNF-α), e a sua estimu-
dois primeiros estão mais relacionados a funções lação em macrófagos leva à síntese de IL-1 e TNF.
de regulação imune, enquanto o último age mais na De forma complementar, outro estudo mostrou que
supressão da resposta imunológica e na remodelação animais deficientes em receptor de IL-1 apresentam
tecidual5,13,20,27. uma resposta inflamatória neutrofílica reduzida a
Um estudo recente demonstrou a importância estímulos como presença de células mortas e lesão
dos macrófagos M2 no favorecimento metastático tecidual, evidenciando o papel de IL-1 como um dos
tumoral. Camundongos knockout para CD1 não principais mediadores responsáveis pela geração do
desenvolvem células NKT, as principais produtoras infiltrado inflamatório neutrofílico4.
de IL-13. Tais animais apresentam polarização de- A necrose é um fenômeno frequente em tu-
feituosa dos macrófagos para o fenótipo M2. Esses mores, podendo estar associado a uma intervenção
animais rejeitam tumor metastático de mama murino e terapêutica ou ao próprio crescimento da massa
sobrevivem indefinidamente se for efetuada remoção tumoral. Ao contrário do esperado, a presença de
cirúrgica do sítio tumoral primário. Tais pesquisadores necrose no tumor, entretanto, pode estar associada a
mostraram que a resposta foi resultado de três fatores mau prognóstico. Os centros necróticos representam
principais: a geração de macrófagos M1 tumoricidas, a origem do infiltrado inflamatório no tumor e muitos
a redução de células Gr1+CD11b+ supressoras mie- fatores celulares liberados pelas células necróticas
lóides e a produção de linfócitos ativados27. podem atuar como estímulos intensos para migração
e diferenciação de células imunes, especialmente
macrófagos5.
ALTERAÇÕES NO MICROAMBIENTE E RESPOS-
TA IMUNE INDUZIDA
CINÉTICA CELULAR EM TUMORES
Alterações são frequentes no microambien-
te tumoral e podem afetar de forma importante a Em tecidos normais, é reconhecida a
resposta imune no interior do tumor. Uma pesquisa existência de um controle homeostático tecidual
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intrínseco, o qual garante o equilíbrio entre a interno; representa um problema importante nos
regeneração e a morte celular dentro deste mesmo casos de tratamento de tumores. A fim de permitir
tecido – mantendo dessa forma seu tamanho e a recuperação das demais células do paciente, o
sua composição constante. Nos tecidos tumorais, tratamento quimioterápico ou radioterápico deve
por sua vez, ocorre uma quebra dos mecanismos ser espaçado. Contudo, essa estratégia, ao mesmo
homeostáticos, resultando num desbalanço entre tempo em que preserva territórios não tumorais, tem
proliferação e morte celular e consequentemente num como efeito colateral a concomitante repopulação da
aumento da população e tamanho tumoral. massa tumoral por células tumorais progressivamente
Através da autorradiografia e, mais mais resistentes a tratamento3,16.
recentemente, da citometria de fluxo, tornou-se Os mecanismos que contribuem à
possível avaliar a cinética tumoral. A citometria de repopulação do tumor estão muito ligados a conceitos
fluxo baseia-se na análise de cada célula de uma de cinética tumoral. O modo e a intensidade com
suspensão do tumor. Pode-se avaliar o conteúdo de que um agente anti-tumoral (e.g., quimioterápico)
DNA de cada célula, através da administração de é capaz de atuar em diferentes regiões tumorais
marcadores fluorescentes (por exemplo, iodeto de (perivasculares, hipóxicas) e tipos celulares (células-
propídio) que se combinam ao conteúdo de DNA da tronco tumorais, células hipóxicas, entre outros) são
célula, sendo a fluorescência posteriormente lida pelo determinantes no processo de repopulação tumoral
citômetro. De forma semelhante, pode-se observar o que se realiza em seguida.
ritmo de proliferação celular através da administração Em primeiro lugar, observa-se, na grande
de bromodeoxiuridina (BrdU), que é incorporada na maioria dos tumores, um aumento da pressão
síntese de novo DNA23. intersticial tumoral, devido a fatores como a elevada
Chama-se “fração de crescimento” (growth permeabilidade dos vasos tumorais e vasos linfáticos
fraction) a proporção de células dentro de um tumor pouco funcionais ou ausentes, que causam um
que estão em atividade proliferativa. É importante aumento na pressão intravascular local. Já de início, a
reconhecer que uma considerável parte das células pressão intratumoral elevada dificulta a penetração de
tumorais não está replicando, e também que a um agente quimioterápico no tumor sólido. Ademais,
fração de crescimento não corresponde por si só como o quimioterápico atinge o tumor pela corrente
ao crescimento tumoral. A taxa de crescimento de sanguínea, a sua entrada e atuação no mesmo são
um tumor também depende de morte (e.g., necrose, altamente dependentes da quantidade, qualidade
apoptose) e perda (e.g., metástase ou disseminação e permeabilidade da vascularização tumoral,
local) celular, representando um balanço entre esses enfatizando o papel da angiogênese e dos neovasos
e a proliferação celular30. nos efeitos observados, principalmente em tumores
Entretanto, estudos demonstram que taxas maiores12,31.
de replicação celular são bastante heterogêneas em Os Gráficos 4A, B, C 31 caracterizam a
diferentes regiões do tumor. Tal achado pode ser em variação do microambiente tumoral de acordo com a
parte explicado por diferentes taxas de diferenciação distância ao vaso sanguíneo mais próximo. O gráfico
celular, uma vez que esta é inversamente relacionada A ilustra a queda da pressão de oxigênio a partir do
à taxa de proliferação. Outro fator corresponde à vaso, indicando o início da zona de hipóxia a partir
existência de diferentes subpopulações celulares de aproximadamente 80 µm. Também se observa
dentro do mesmo tumor, resultado de alterações a diminuição do pH, resultado da decrescente
genéticas adicionais ao longo da progressão pO2 e resultante aumento da glicólise nas células
hipóxicas, que assim geram lactato; a isso ainda se
tumoral. Por fim, e possivelmente mais importante,
soma a perfusão irregular do tumor, o que causa
há a disponibilidade desigual de oxigênio e demais
um “clearance” diminuído de metabólitos ácidos. O
nutrientes para regiões distintas do tumor, resultando
gráfico B ilustra o perfil de distribuição heterogênea
na ocorrência bastante frequente de locais de hipóxia
do quimioterápico doxorubicina, que também diminui
e/ou necrose dentro de tumores sólidos30.
em função do aumento da distância ao capilar. O
gráfico C mostra que a distribuição heterogênea da
REPOPULAÇÃO TUMORAL droga resulta numa mortalidade celular igualmente
heterogênea, com maior morte celular próxima
O conceito de repopulação tumoral refere-se ao vaso, porém crescente sobrevivência em
à proliferação das células tumorais, sobreviventes regiões cada vez mais distantes, acarretando uma
de processos nocivos direcionados ao tumor tais sobrevivência tumoral total maior (barras brancas)
como quimioterapia, radioterapia, substâncias do que o esperado numa distribuição homogênea da
anti-angiogênicas, ou mesmo um desequilíbrio droga (barras pretas).
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Onuchic AC, Chammas R. Cancer and the tumor microenvironment. Rev Med (São Paulo).
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