sábado, janeiro 31, 2004

Histórias de Mediocridade

Há alturas nas nossas vidas em que temos a certeza que Joshua existe e está por cá a tomar conta de nós.

Aqui há uns tempos, pergunta-me a minha Exma. Progenitora Feminina "Oh Mariazinha, então vocês não querem vir passar connosco um fim-de-semana ao Solar do Vaimóqueque? Olha que vão as tuas priminhas todas e os amigos também...Podias vir, filhinha...". Claro que ela não o disse desta forma. Se tivesse dito desta forma, andava alguém em Ormuz, no Saigão, em Burenza, em Telavive (se calhar, em Telavive, não), em Moscovo e numa terra qualquer da Nova Zelândia e também numa daquelas ilhas do Pacífico, a receber pacotes com bocadinhos da minha mãe embrulhados. O que ela disse foi mais ou menos "Olha, este fim-de-semana vamos para o solar. Não queres vir, pois não? Então ficas com o ter irmão.". Eu e a minha mãe nestas coisas somos parecidas, por isso é que nos entendemos.

Mas enfim, eles foram. Eu fiquei. (o meu irmão também deve ter ficado, havia horas do dia em que a cozinha cheirava mal, por isso devia cá estar). A história acabava aqui se, tantestantontem, o meu rico paizinho não se tivesse lembrado de me pôr a ver as fotografias dessa tristeza.

Em planos perfeitamente desenplanados aparecem sucessivamente imagens de neo-riquismo, expostas sobre um cenário de Solar cheio de nível. O resultado é triste. A vestir ou adornar corpos e caras de lavradores de Trás-os-Montes, roupa supostamente fashion, comprada no eixo Norteshopping-ArrábidaShopping-Baixa-Boavista. Um retrato do horror.

Ao que vim a apurar pela minha mãe (que gosta tanto destas coisas que até se esqueceu da mala que devia levar para o Solar, e, por isso, andou a cravar roupa às amiguinhas e às priminhas) a convivência desta gente divide-se em três grupos: Machos, Fêmeas e Crias.

Os Machos comem presunto e bebem cerveja nas esplanadas a tarde toda. É para isso que o Macho tira um fim-de-semana com os amigos: comer presunto e beber cerveja. Vão de calças de ganga, camisa aos quadradinhos azuis e brancos, polo de marca nos ombros e sapatos de vela. Comer presunto e beber cerveja. Vestidos de igual, a comer a mesma coisa e a beber a mesma coisa. Também falam das mesmas coisas: ténis, karts, futebol, gajas boas (não necessariamente por esta ordem). Qualquer conversa que se desvie destes tópicos tem como feedback uns belíssimos "Hããããã... Pois... Tá bem, abelha..." e volta-se ao ténis, aos karts, ao futebol e às gajas boas.

As Fêmeas andam nas compras. Podem ir para Reguengos de Cima, mas vão às compras. Correm assim em manada as 5 lojas do centro da cidade, e compram camisolas, calças, tops, camisas, t-shirts, brincos, anéis, pulseiras, de ouro, de prata, de ferro, de aço inoxidável, de seja-o-que-fôr. O único requisito das coisas que compram é serem passíveis de serem rotuladas como "giríssimas" por todas as amiguinhas. Uma espécie de Assembleia para o Desperdício de Dinheiro. Quando elas chegam, as entidades máximas das cidadelas / lugares / aldeias ligam as luzes de Natal e tocam o sino da Igreja como se alguém se estivesse a casar. No jornal da região, a manchete da 2ª-feira seguinte é: "Comércio em Castanheiras do Silvado cresce 8745982693% em dois dias". São a Comissão para o Salvamento da Economia Rural. A Manuela Ferreira Leite havia de as achar maravilhosas.

O grupo com o qual eu mais interajo são as Crias. As Crias têm entre 5 e 25 anos. As duas crias que melhor conheço são minhas primas. São pessoas decentes e normais, quando estão longe das outras Crias. Quando estão com as Crias, começam a falar de discotecas. Fazem assim relatórios da noite do Porto. Quando alguém decidir criar uma revista "Porto Nights'" eles sao todos, de certeza, convidados para Críticos de Noites. Melhor era se se fizesse uma adaptação da "Noite da Má-Língua" para "Noite da Boa-Noite" e eles fossem apresentadores. Entrava a uma sumidade côr-de-rosa e dizia "Hoje, no EN..." e começavam a dissertar sobre o assunto. Ia ser um programa de grandes audiências já que a futilidade e a violência feminina são o que mais vende neste país. (a violência vem na parte em que os meninos, depois de muito discutirem sobre qual deles aguenta mais shots, partem para o estalo) (o "feminina" não está em lado nenhum. As pitas nunca na vida hão-de ter nada de feminino. As pitas estão para a feminilidade como o José Castelo Branco está para a masculinidade. Temos pena.)

E foi disto que eu me safei, amiguinhos. Eu sei que vocês sentem a minha dor.

Sou quem sabeis, Maria Cachucha

terça-feira, janeiro 27, 2004

Resposta a uma carta publicada na Maria

Toda a gente sabe que eu sou uma pessoa de classe. Que estou perfeitamente integrada neste mundo moderno, no bulício citadino, que estou perfeitamente entrosada nesta sociedade fútil de início de século e que daqui a 20 anos vou ser daquelas mulheres de sucesso que têm a Vogue na carteira e os índices da Bolsa na mão. Ou então, não.

Se calhar, gosto de ler a Maria.

Por acaso gosto mesmo. Não que isto diga alguma coisa sobre mim. Quando muito, diz que sou uma pessoa que conhece pessoas que compram a Maria (ainda pior que ler a Maria é comprar a Maria. e ainda pior que isso é comprar a Maria para ler. e ainda pior que tudo isso é conhecer quem compre e leia a Maria. não faz lá muito bem ao nosso desenvolvimento psico-social.) (Eu não escrevo aqui porque GOSTE. É mesmo porque tenho muito tempo livre. Acham que isso se deve ao facto de ser extremamente social?)

Mas enfim, estávamos na Maria. Naquela secção que toda a gente conhece, a das perguntas. Ora numa das minhas últimas incursões a esta obra de leitura obrigatória semanal, descobri uma questão que, pela sua premência, me obriga a dar a resposta que acho adequada, sobrepondo-me a essa instituição do saber de experiência feito que a Maria representa. Os meus sentimentos.

(A pergunta que se segue é verdadeira. Só o nome do seu autor foi modificado porque se já fixar a pergunta foi difícil, quanto mais o nome do homem...)

"Quando faço amor com a minha esposa, ela só atinge o orgasmo se estiver a ouvir Scorpions. O problema é que eu odeio os Scorpions."
Hermegenildo Tractor, Soure

Caro Senhor Hermegenildo,

Antes de mais, tenho de o informar que o seu nível de rotidão precisa de uma escala própria. Um gajo que precisa de pôr a mulher a ouvir música merecia ser insultado. Como eu não estou habilitada a insultar este tipo de gente, abstenho-me de comentários, repetindo apenas que isso é coisa de panão.
A segunda questão que aqui se põe é: como é que alguém consegue casar e, ainda pior, ir para a cama com uma gaja que só lá chega com Scorpions? Com um grupo que tem músicas como "Love at the first sting" ou "Wind of change"? Com um vocalista chamado Klaus Maine e um baixista chamado Francis Buchnolz?
Acho que a única solução para o seu caso e da sua senhora é, em vez de ouvirem Scorpions passarem para o Coro de Santo Amaro de Oeiras. A qualidade musical é similar e com este CSAO sempre se aprende qualquer coisa. Eu, por exemplo, aprendi que "Há Deus-Pai, à direita é o Filho, à esquerda é o Espíito Santo e atrás 'tá Joshua, a cobrir a retaguarda". E este tipo de informação é sempre importante.
Os meus cumprimentos,

Maria Cachucha

Se por caso em Soure houver Internet, sei que o Senhor Hermegenildo me vai agradecer.

Sou quem sabeis, Maria Cachucha
Meu Joshua...

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Belo momento

Fiz, há poucos momentos, uma sensacional descoberta que merecia ser partilhada com gente muito mais sabedora e experimentada que vós, ignóbeis leitores deste triste blog.

É um facto tão imburilável que urge um título apropriado, para catalogar devidamente tal achado.

T�TULO APROPRIADO DO ACHADO

É facto, e torno a partir deste momento público, que podemos ver-nos de toda e qualquer maneira, menos quando estamos com os olhos fechados.

Tão maravilhosa descoberta era belo tema para uma qualquer ode, mas, como a minha subidíssima alma não se presta a esse tipo de criação, fica aqui, humilde, acanhado, servil senão até simplório, o apontamento desta mirífica verdade que adivinho ir reformar tanto quanto até este momento tenha sido empreendido ou concebido pelo Homem.

Sou quem sabeis, Maria Cachucha

terça-feira, janeiro 13, 2004

Hoje era um bom dia...

- para se dar um golpe de Estado daqueles lixados e depois irmos todos para a Baixa com bandeiras de Portugal a cantar um novo hino que se chamaria "Portugal é um país de mongóis, embora os mongóis sejam todos do outro lado do Mundo";
- para descongelarem uns icebergs em pontos estratégicos do Mundo (a saber, Tadjiquistão, Colômbia e Inglaterra);
- para chegarmos à beira dos senhores da McDonald's e da Pizza Hut e dessas merdas e dizermos "Hoje não, hoje vamos comer saladas";
- para chover no molhado e na mostarda e na estrada e na entrada;
- para saber o que é a Bula Manifestus Probatum;
- para ter aftas;
- para estufar o Homem-�guia no caldeirão do João Ratão e servi-lo com batatas noisettes assadas no forno, mas depois não se comia, deixava-se o Homem-�guia, com uma maçã na boca e os tornozelos atados, na banheira, bem embebido em açucar pilado e amêndoas em pó.

É isto, amiguinhos.

Sou quem sabeis, Maria Cachucha.

sábado, janeiro 10, 2004

O cabeleireiro

Tive esta manhã o prazer de me deslocar a essa instituição que em tanto contribui para a determinação das qualidades indissociáveis da portuguesa-tipo, o cabeleireiro. Para vós, que sois homens e não compreendeis o significado de tal expressão, escuso-vos uma ida ao dicionário, esclarecendo que a definição mais precisa que se pode arranjar para cabeleireiro é "inferno em que o Berzabu tem ENORMES MOLAS-TIRA-ESCALPES nas mãos e Cerbéro foi substituído por um secador gigante com três cabeças". Bem sei, é assustador. Mas toda a mulher se tem de prestar a este tipo de sofrimento, de vez em quando.

A acrescentar a este quadro já de si apavorante é o facto de, devido à minha incapacidade motora, eu ter exposto a minha maravilhosa juba ao tratamento de um cabeleiro rechousense. Pois. Na Rechousa. Essa mesma. A Rechousa.

Ora, um dos rituais dos cabeleireiros é o da espera. Fala-se nas repartições públicas, nos centros de saúde, nas filas de supermercado, mas o cabeleireiro é sempre esquecido em questões de espera. E isto é injusto, porque hoje, que estava num dia de sorte, esperei hora e meia até ir lavar o cabelo.

E essa hora e meia de espera foi preenchida com belos episódios do quotidiano do cabeleireiro: a minha atenção dividia-se entre a cusquice das senhoras da direita, a exaltação da inteligência da (e atentem no nome da criança, observem esta pequena maravilha) Renata Carina, repito, Renata Carina, que com três aninhos já sabia quem era o Primeiro-Misnistro (digo eu que mais valia a criança saber onde é o McDonald's mais próximo, mas enfim..) e o belo tratamento de pedicure que era administrado a uma senhora de, pelo menos, 756 anos.

Após o tratamento aos pés da senhora, a cabeleireira vira-se para a minha pessoa e diz "Ora menina, vamos lá lavar o cabelo". E digo eu "Ora como é que é?? Teve a escarafunchar os furúnculos de uma velhota e AGORA vem-me tratar do cabelo? Valha-me São Joshua, não pode ser!! Antes de me tratar do cabelo, a senhora vai pôr álcool nas mãos e deitar-lhes fogo, para se livrar dos germes, e DEPOIS trata-me do cabelo!". Não sei porquê, mas insurgiram-se todas contra mim. Mesmo assim, levei a minha avante, embora tenha cedido um bocadinho e evitado à cabeleireira de queimar as mãos, pelo que só teve de as lavar. Depois disto, dedicou-se a esfregar-me o couro cabeludo com tal força que julguei que fosse acabar loura.

Acabadinha de lavar e já sentadinha na cadeira de corte, levanta-se no cabeleireiro um censo acerca da CÔR que seria aplicada ao meu cabelo. Coisa democrática, a votos e tudo, do género:

Cabeleireira - Quem é a favor da côr roxo-couve com madeixas vermelhas-tomate ponha o braço no ar
(7 braços levantam-se)
Cabeleireira - E quem é que prefere o cabelo azul-eléctrico com madeixas loiras?
(9 braços levantam-se)
Cabeleireira - Ora pronto, tá decidido, menina
Eu - Mas olhe, era só para cortar as pontas espigadas...
Cabeleireira - Oh menina, eu é que sei, eu é que sou profissional, eu é que tirei um curso na Isabel Queiroz do Vale!!!
Eu - Oh minha senhora, o cabelo é meu, caraças!!

Mais discussão. Levei a minha avante, desta vez sem cedências. Estou a melhorar, o FBI devia contratar-me como negociadora. Agora que reparo, estou com uma falha grande aqui atrás... Deve ser impressão minha... NÃO É?


Ora, pronto, foi isto

Sou quem sabeis, Maria Cachucha

quinta-feira, janeiro 08, 2004

Em nome da progenitora

Serve o presente post para informar toda a comunidade estupidificada que lê este blog que a Entidade Maternal se encontra profundamente insultada com as ofensas contra ela proferidas no post "Acerca da MINHA origem".

A Progenitora Feminina apresenta as seguintes queixas:

a) Os palavrões só são por ela proferidos aquando das suas deslocações em veículo automóvel. Em nenhuma outra situação tais vocábulos são utilizáveis;

b) Baptizar rotundas é um nobre acto, que já muitas vezes contribuiu para o júbilo de colegas meus ( Pedro aka Seka, Hélder, Jorge...);

c) O Luís Represas é bom homem.

Sem mais delongas, e apresentando formalmente as desculpas à Grande Educadora

Sou quem sabeis, Maria Cachucha

Pensamento dos últimos segundos

"Quando a invalidez temporária te permite ficares uns dias em casa, sob a simples desculpa de estar a chover e poderes cair com as canadianas, é melhor aproveitares."

�men, Ópaim e Ófilhum.

Sou quem sabeis, Maria Cachucha

Sou deficiente motor (e NÃO gosto)

Tenho, na última semana, deparado a minha pessoa a braços com uma nova, frustrante e delapidante realidade: a vida de todos aqueles que têm uma deficiência ao nível da locomoção é incomportavelmente díficil.

Já que este assunto é delicado, peço a todos aqueles (e aqui está uma singela alusão a esse grupo de parcos algolágnos que, por terem vidas tão socialmente activas como as anémonas, se prestam a este tipo de flagício) que lêem esta produção para atentarem na seriedade e na dignidade inexpugnáveis a tal questão.

O deficiente motor temporário (como agradeço a São Joshua, padroeiro de todos os autores de imbecilidades como estas que tanto gosto de arrolar, por ser), depara-se no seu dia-a-dia com situações por demais desmotivantes e intoleráveis.
Como se não fosse suficiente o simples facto de ter de se deslocar de canadianas (que cansam de C******), há ainda as escadas (que quando são três aturam-se, mas quando são QUARENTA, como as que eu tenho de subir todos os dias, só nos dão vontade de, quando chegamos lá acima, atirar alguém - pode ser a Elizabete, acho que se pusermos uma vaca-marinha com o cio no lugar dela, ninguém nota a diferença - cá para baixo), os pisos molhados (que nos fazem tentar equilibrar em quatro pernas, o que, tendo em conta que uma delas está lesionada e outras duas não têm joelhos nem pés, se torna num feito ao nível dos de MacGyver) e as intratáveis perguntas da praxe (as empregadas da execrável Filipa de Vilhena parecem retirar um prazer mórbido dos quesitos "Atão, rapariga? Com'é qu'isso foi? É pra canto tiempo? Ah... E não estás com gesso, pois não?" ao que a infeliz acidentada - EU - responde "Pzé, pzé... Foi nas escadas lá de casa... É para duas semaninhas... Não, não pus gesso, só estou com um pé-elástico..") (atente-se, neste momento, na minha vontade inrotulável de lhes enfiar as canadianas por uns orifícios que eu cá sei).

Acho que se impõe a utilização do solene dito "Tomem um Merdium".

Sou quem sabeis, Maria Cachucha