Contrariamente à posição do governo americano que caracteriza as FARC-EP como uma 'organização terrorista', estas são atualmente o movimento de guerrilha mais antigo e de maior base camponesa do mundo. Fundadas em 1964 por uma dezena de ativistas camponeses como meio para defender as comunidades autônomas rurais das violentas depredações de militares e paramilitares colombianos, as FARC-EP transformaram-se num exército guerrilheiro fortemente organizado com 20 mil membros em várias centenas de milhares de milícias e apoiantes locais, extremamente influente em mais de 40% do país. Em 11 de Setembro de 2001, as FARC-EP já eram reconhecidas como um legítimo movimento de resistência pela maior parte dos países da União Européia, América Latina e durante vários anos andou em negociações de paz com o governo colombiano chefiado pelo presidente Andrés Pastraña. Antes de 11/Set os líderes das FARC encontraram-se com chefes de estado europeus para trocarem idéias sobre o processo de paz. Inúmeros líderes de negócios influentes da Wall Street, da City de Londres e de Bogotá e gente famosa como a Rainha Noor da Jordânia encontraram-se com dirigentes das FARC na zona desmilitarizada, durante as fracassadas negociações de paz (1999-2002).
O papel dos EUA no conflitoComeçando com o presidente Clinton em 2000 e continuando com Bush, os EUA injetaram no regime colombiano mais de 4 bilhões de dólares em ajuda militar a fim de destruir o exército guerrilheiro e a sua base social entre os camponeses, sindicatos urbanos e profissionais livres (principalmente professores, advogados, ativistas dos direitos humanos e intelectuais). Washington empurra vigorosamente para uma solução militar subvertendo quaisquer negociações de paz, através de um substancial número de conselheiros militares, de mercenários contratados, operacionais da Repressão de Drogas, agentes da CIA, comandos das Forças Especiais e uma multidão de outros funcionários secretos. Desde o início dos anos 80 até ao fim dos anos 90, Washington manteve a ficção de que os seus programas militares faziam parte da campanha anti-narcóticos, embora não tenha explicado porque é que concentrava a maior parte dos esforços nas regiões influenciadas pelas FARC e não nas grandes áreas de plantações de coca controladas pelas forças militares e paramilitares colombianas. Com o lançamento do Plano Colômbia em 2000, Washington sublinhou explicitamente a natureza contra-revolucionária da sua ajuda e presença militares. Profundamente transtornado por o presidente Pastraña ter aceito as negociações de paz e as propostas dos movimentos social e guerrilheiro, Washington apoiou para presidente Álvaro Uribe, um político de direita, com um passado de ligação aos esquadrões da morte colombianos. A sua vitória eleitoral inaugurou uma das campanhas de extermínio mais sangrentas da violenta história da Colômbia.
Os militares americanos e os seus parceiros colombianos financiaram uma poderosa força de esquadrões da morte com 31 mil efetivos que devastou o país, matando milhares de camponeses em regiões onde as FARC eram influentes. Foram assassinados em plena luz do dia centenas de sindicalistas por mercenários contratados nas cidades e aldeias ocupadas pelos militares. Trabalhadores dos direitos humanos, jornalistas e acadêmicos que se atreveram a noticiar a impunidade dos militares envolvidos em massacres de aldeias, foram raptados, torturados e mortos; não poucas vezes foram decapitados ou estripados para semear ainda maior terror. Mais de dois milhões de camponeses foram forçados a fugir das suas terras para nojentas favelas urbanas, as suas terras foram apreendidas por importantes chefes paramilitares ou grandes latifundiários. A 'limpeza de classe' do campo saiu diretamente dos manuais de contra-insurreição do Pentágono, que ensinaram os militares colombianos a destruir a 'infra-estrutura social' dos movimentos de guerrilha – em particular das FARC que tinham ligações antigas e alargadas familiares, comunitárias e sociais com os camponeses.
O presidente Uribe personificou o clássico governante autoritário sul-americano. A apertar o pescoço dos pobres e de joelhos diante do seu patrão de Washington. As suas perpétuas campanhas ofensivas em larga escala dizimaram o campo mas não conseguiram enfraquecer os guerrilheiros nem sequer capturar alguém do comando geral das FARC. Depois de seis anos de enormes e dispendiosas campanhas de extermínio, militares americanos de topo e muitos militares colombianos reconheceram que era altamente improvável uma vitória sobre as FARC. O mais que podia acontecer, argumentaram os estrategas militares, era um sério enfraquecimento das FARC, forçando-as a negociar um 'acordo de paz' favorável ao regime.
Negociações de paz: História breveDurante a presidência de Belisário Betancourt (nos meados dos anos 80), as FARC concordaram num cessar-fogo e muitos alinharam no processo eleitoral. Milhares de guerrilheiros, simpatizantes e muitos independentes de esquerda formaram um partido político, a União Patriótica, e concorreram com candidatos a todos os níveis do governo. Em menos de 5 anos, 5 mil ativistas, candidatos e eleitos foram assassinados pelos militares e seus esquadrões da morte, incluindo dois candidatos presidenciais, vários congressistas, grande quantidade de autarcas, centenas de conselheiros da cidade e líderes locais do partido. Os sobreviventes juntaram-se aos guerrilheiros, fugiram para o exílio ou passaram à clandestinidade. Contrariamente às afirmações do governo, a Colômbia não era uma 'democracia' no sentido vulgar, mas uma 'democracia de esquadrões da morte' na qual faltavam as mais elementares condições para a campanha eleitoral e normas políticas. Menos de duas décadas depois, quando as FARC já tinham alargado a sua influência até 65 km da capital Bogotá, o governo de Andrés Pastraña concordou com outra ronda de 'negociações de paz' numa grande região desmilitarizada sob a influência das FARC.
Enquanto decorriam as negociações, centenas de 'visitantes' de todos os setores da sociedade colombiana, assim como políticos estrangeiros e gente de negócios conhecida, participavam em fóruns públicos. Debates abertos organizados pelas FARC cobriram questões sociais, econômicas e políticas fundamentais. Pela primeira vez desde há muito foram debatidas sem medo de represálias dos esquadrões da morte questões como a reforma agrária, o investimento público em programas de criação de empregos, o investimento externo e a propriedade pública, as alternativas econômicas para o cultivo da coca, a educação e a saúde. Foi contestada a imagem das FARC como uma 'força militarista narco-guerrilheira'; muitos observadores anteriormente hostis da Europa, América Latina e América do Norte, embora não concordassem necessariamente com algumas das reformas propostas pelas FARC, ficaram com a impressão que era possível negociar com elas e chegar a acordos para acabar com a guerra civil.
A radicalização do regime de Bush a seguir ao 11 de Setembro de 2001 serviu de pretexto para forçar o rompimento das negociações de paz. A seguir à eleição de Álvaro Uribe, as FARC foram incluídas na lista das organizações 'terroristas'. A União Europeia, que tinha reunido publicamente com os líderes dessas mesmas FARC, seguiu a reboque dos EUA. Logo a seguir, foram presos na Bolívia, no Brasil, na Venezuela e no Equador negociadores e representantes internacionais das FARC. Estes últimos dois países entregaram os representantes das FARC à polícia política colombiana (DAS) conhecida pela sua brutalidade. Sob a capa da 'Guerra contra o Terrorismo' de Washington, o presidente Uribe prosseguiu, reprimindo severamente greves gerais sindicais e enormes manifestações rurais de protesto feitas pelas principais organizações agrícolas contra a assinatura de um acordo de 'comércio livre' com os EUA.
No meio da carnificina patrocinada pelo governo, as FARC continuaram uma estratégia de retirada tática para os seus redutos na selva e nas montanhas e emitiu propostas para troca mútua de prisioneiros como um passo de 'instituição de confiança' para futuras negociações de paz.
As FARC têm mais de 60 políticos e militares colombianos prisioneiros. O governo colombiano tem mais de 600 guerrilheiros. Os EUA têm atualmente dois membros das FARC. As FARC propuseram um encontro para negociar uma troca de prisioneiros numa zona desmilitarizada. Naturalmente, as famílias dos prisioneiros das FARC foram unânimes a favor da proposta, assim como a maior parte das organizações da sociedade civil, grupos humanitários, da igreja e de direitos humanos. Os EUA opuseram-se a qualquer troca de prisioneiros e Uribe imitou o seu amo, pelo menos durante o seu primeiro mandato. Numa recente incursão militar fracassada, foram mortos 10 prisioneiros, incluindo um ex-ministro da Defesa, um governador e oito oficiais. Sob uma enorme pressão da sociedade civil colombiana, da União Europeia e da maioria dos governos latino-americanos, o presidente Uribe declarou, na sua reeleição, que estaria disposto a entrar em negociações para uma troca. Passado um mês, porém, voltou atrás utilizando como pretexto uma bomba colocada numa instalação militar, que atribuiu às FARC apesar dos desmentidos desta. Os especialistas suspeitam que foi uma operação encoberta montada pelos serviços secretos da Colômbia para minar qualquer avanço para uma troca de prisioneiros.
A detenção ilegal e a prisão de Simon Trinidad
Qualquer procedimento jurídico digno desse nome rejeitaria o processo na base elementar de prisão ilegal. No final de Dezembro de 2003, Trinidad deslocou-se a Quito, no Equador para contatar James Lemoyne sobre possíveis negociações de paz com o governo colombiano, a começar pelo estabelecimento da confiança, e por medidas humanitárias relativas a prisioneiros e detidos. Durante a anterior negociação de paz, Lemoyne fora um negociador da paz decente, rejeitando a pressão da embaixada americana para furar os procedimentos. Dada a enorme escalada militar desencadeada pelo presidente Uribe, Trinidad não tinha possibilidade de se encontrar com Lemoyne na Colômbia. Soube-se nas FARC que Lemoyne estaria disponível para conversações em Quito.
Sob a direção da CIA, um esquadrão conjunto colombiano-equatoriano deteve Trinidad ilegalmente. Toda esta operação violou a soberania do Equador, os procedimentos judiciais e os direitos de asilo político. As detenções extra-territoriais de líderes da oposição e a sua transferência para tribunais imperialistas assemelham-se às práticas do Império Romano e não à lei internacional contemporânea.
Enquanto em cativeiro, Trinidad viu-lhe ser recusado o acesso a traduções, documentos e materiais de escrita. Foi algemado e metido numa cela solitária durante 23 horas por dia durante mais de 21 meses sem acesso a um advogado legal. O juiz federal, Thomas Hogan, e o promotor federal actuaram em prejuízo do julgamento mesmo antes de este começar. Mais de 30 policiais armados numa caravana de veículos da polícia acompanhada por helicópteros levaram Trinidad, algemado, até ao tribunal. Recusaram-lhe a escolha do advogado e atribuíram-lhe uma equipe de advogados nomeados pelo tribunal. Quando os seus advogados tentaram fornecer um contexto histórico relevante incluindo as tentativas das FARC em participar na política eleitoral e o subseqüente massacre de 5000 ativistas e candidatos, incluindo dois candidatos presidenciais, a acusação se opôs. A acusação também se opôs contra a descrição da defesa da enorme e continuada violência do estado na Colômbia e o papel das forças americanas de contra-insurreição aliadas aos grupos paramilitares.
Neste pesadelo kafkiano de um tribunal, a acusação pediu ao juiz que não divulgasse os nomes dos jurados para os proteger contra 'retaliações' da 'organização terrorista' de Trinidad (escondida na selva colombiana) – influenciando ainda mais um júri já amedrontado e um juiz preconceituoso.
Os advogados de defesa nomeados pelo tribunal esqueceram-se de contestar as afirmações prejudiciais mais elementares feitas pela testemunha chave da acusação, um coronel do exército colombiano que se referiu a Trinidad como 'terrorista' apesar do fato óbvio de ele ainda não ter sido condenado. O juiz Hogan recusou-se a permitir que os jurados usassem os seus livros de notas que continham notas do julgamento do tribunal e recusou-lhes o acesso às transcrições, impedindo-os de avaliar racionalmente as provas.
A refutação de Trinidad da principal testemunha colombiana da acusação e a natureza ultrajante deste julgamento político fantoche foram evidentes desde o primeiro dia em que o júri relatou ao juiz. O júri declarou que estava profundamente dividido em relação a todas as acusações e pediu ao tribunal para anular o julgamento. Após 18 dias de fortes acusações, demagogia e retórica política inflamada, os jurados passaram mais de sete horas a deliberar antes de informarem que estavam num beco sem saída. Uma nota dos jurados para o juiz distrital Thomas Hogan afirmava: “Cremos que as nossas divergências baseadas numa profunda reflexão são irresolúveis”. O juiz Hogan rejeitou o pedido de Trinidad para um julgamento inválido e disse aos jurados para continuarem a deliberação, afirmando que só declararia o julgamento inválido se os jurados repetissem a sua declaração de beco sem saída pela segunda vez.
ConclusãoO 'julgamento político fantoche' de Simon Trinidad é um exemplo flagrante das ameaças às liberdades constitucionais, que nós e os cidadãos de todo o mundo enfrentamos perante o poder desenfreado do presidente americano de ultrapassar todos os direitos de estados soberanos e dos seus cidadãos, a lei internacional e as liberdades constitucionais.
É igualmente importante a realidade atual de detenções extra territoriais ilegais, de seqüestros e de procedimentos anómalos ao serviço de políticas imperiais sangrentas e de governantes clientes cujas ações têm devastado a sociedade colombiana. Mais de 2,5 milhões de colombianos, camponeses e moradores em favelas urbanas, foram desalojados pelo programa selvagem de contra-insurreição apelidado de 'Plano Colômbia'; o número de pessoas deslocadas está em segundo lugar, em primeiro está o Afeganistão. Os programas de contra-insurreição, intitulados variadamente 'Plano Colômbia', 'Plano Patriótico' e 'Segurança Democrática' são financiados e dirigidos pelos Estados Unidos e promovidos pelo seu cliente presidente Álvaro Uribe. A AFL-CIO americana documenta mais de 4000 sindicalistas assassinados entre 1986-2002; o governo colombiano só investigou 376 casos dos quais apenas cinco processos levaram à condenação do assassino. Segundo os grupos de direitos humanos colombianos, entre 2003-2006, os militares e paramilitares aliados de Uribe assassinaram mais uns mil sindicalistas. Durante os últimos cinco anos, foram mortos com total impunidade 30 mil camponeses, professores rurais e líderes de camponeses e de indígenas. A repressão do estado ('Segurança Democrática') foi dirigida para o enfraquecimento da resistência sindicalista ao Acordo de Livre Comércio EUA-Colômbia, e não para combater os exércitos guerrilheiros. Com mais de 68% da população colombiana a viver abaixo do limiar da pobreza de 2 dólares por dia e apreensões de terras pelos líderes paramilitares, barões do gado e oficiais militares, não é de estranhar que a resistência guerrilheira esteja a recrutar e a conter com êxito as campanhas militares patrocinadas pelo governo, sempre com um título triunfalista e todas elas acabando num profundo fracasso. Sem reformas políticas e sociais fundamentais e na falta de um modelo económico que integre os milhões de deslocados, aterrorizados e excluídos, não há estratega nem estratégia militar, por muito bem financiada e dirigida por Washington, que possa acabar com o conflito civil.
O primeiro passo para uma solução deste conflito de meio século é o reconhecimento de que a Colômbia está no meio de uma guerra civil, e não de uma 'guerra contra o terrorismo'. O segundo é libertar os protagonistas do processo da paz, Simon Trinidad e a sua camarada 'Sonia' como um movimento concreto para uma troca humanitária de prisioneiros e de estabelecimento de medidas de confiança que abram o caminho a negociações de paz a toda a escala.
Paradoxalmente, o fim do banho de sangue poderia começar em Washington, num tribunal federal, ou até mesmo no Congresso dos EUA com o reconhecimento de que os EUA são um partido armado na guerra civil da Colômbia, que os seus combatentes são prisioneiros de guerra e que a sua libertação final depende do reconhecimento dos limites do poder militar americano (e do seu cliente colombiano) e que a única opção realista é a negociação de um acordo diplomático.
James Petras, 2006
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