O ARQUIVO

No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos. joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.
Respirou descompassado.
— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.
O coração parava.
— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio. Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:
— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir: — Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria. O chefe não compreendeu:
— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
João transformou-se num arquivo de metal.

Victor Giudice



KID KOALA - CARPAL TUNNEL SYNDROME - 2000
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O mundo jamais o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos.

David Foster Wallace



THE FUNKEES - NOW I'M A MAN - 1977



























DOWNLOAD: SNJ - SE TU LUTAS TU CONQUISTAS - 2000
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GRITO NEGRO



Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

José Craveirinha



DOWNLOAD: THE GRITS - 2008 - VBR 160~224



O trabalho é a negação da vida, da alegria e do prazer humano. O trabalho faz do homem um estranho para si mesmo, alienado da humanidade como um todo, negado em sua essência, em sua vida, em seus desejos... Além de desperdiçar seu suor, seu sangue e sua vida numa atividade cujo absurdo só é menor do que o embrutecimento que acarreta, o trabalhador é separado dos demais homens, separado da espécie humana.

Grupo Comunista Internacionalista Belga




DOWNLOAD: ESTHER PHILLIPS - FROM A WHISPER TO A SCREAM - 1971
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A MÁQUINA PLANETÁRIA DO TRABALHO


O nome do monstro que deixamos crescer e que mantém nosso planeta em suas garras é: Máquina Planetária do Trabalho. Se queremos que a nossa espaçonave volte a ser um lugar agradável, temos que desmantelar essa Máquina, consertar os estragos e fazer certos acordos básicos para um novo começo. Então, nossa primeira pergunta deve ser: como faz a Máquina Planetária do Trabalho para nos controlar? Como é organizada? Quais são seus mecanismos e como podem ser destruídos?


A Máquina é planetária: come na África, digere na Ásia e caga na Europa. É planejada e regida por companhias internacionais, sistemas bancários, circuitos de combustível, produtos não-manufaturados e outros bens. Existem montes de ilusões quanto a nações, Estados, blocos, Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Mundos – mas estas são só subdivisões menores, partes da mesma maquinaria. Claro que diferentes engrenagens exercem pressões, tensões e fricções entre si. A Máquina é feita de suas próprias contradições: operários - capital; capital privado - capital do Estado (capitalismo - socialismo); desenvolvimento - subdesenvolvimento; miséria - desperdício; guerra - paz; mulheres - homens, etc. A Máquina não é uma estrutura homogênea; ela usa suas contradições internas para expandir seu controle e sofisticar seus instrumentos. Diferente dos sistemas fascistas ou teocráticos, ou como no 1984 de Orwell, a Máquina do Trabalho permite um nível "sadio" de resistência, inquietação, provocação e revolta. Ela digere sindicatos, partidos radicais, movimentos de protesto, manifestações e mudanças democráticas de regime. Se a democracia não funciona, ela usa a ditadura. Se a sua legitimidade entra em crise, ela tem prisões, tortura e campos de concentração de reserva. Nenhuma dessas modalidades é essencial para entender a função da Máquina.

O princípio que governa todas as atividades da Máquina é a economia. Mas o que é economia? É uma troca impessoal e indireta de tempo de vida cristalizado. Você gasta seu tempo para produzir uma peça que é usada por alguém que você não conhece para montar uma bugiganga que é comprada por outro desconhecido para fins que você ignora. O circuito dessa sucata de vida é regulado de acordo com o tempo de trabalho que foi investido no material bruto, na sua manufatura e em você. A medida é o dinheiro. Os que produzem e trocam não têm controle sobre seu produto comum, então pode acontecer que trabalhadores revoltados sejam mortos exatamente com os revólveres que ajudaram a produzir. Cada peça de comércio é uma arma contra nós, cada supermercado um arsenal, toda fábrica um campo de batalha. Este é o mecanismo da Máquina do Trabalho: retalhar a sociedade em indivíduos isolados, chantageá-los separadamente com salários ou violência, usar seu tempo de trabalho de acordo com os planos. Economia quer dizer: expansão do controle da Máquina sobre suas partes, tornando essas partes cada vez mais dependentes da própria Máquina.

Todos somos partes da Máquina Planetária do Trabalho – nós somos a Máquina. Representamos a Máquina uns contra os outros. Desenvolvidos ou não, assalariados ou não, autônomos ou empregados, servimos à proposta dela. Onde não há indústria, "produzimos" trabalhadores virtuais e exportamos para zonas industriais. A África produziu escravos para as Américas, a Turquia produz trabalhadores para a Alemanha, o Paquistão para o Kuwait, Ghana para a Nigéria, o Marrocos para a França, o México para os Estados Unidos. Áreas virgens podem ser usadas como cenário para os negócios turísticos internacionais: índios em suas reservas, polinésios, balis, aborígenes. Os que tentam sair da Máquina preenchem as funções de pitorescos marginais (hippies, yogues, etc.). Enquanto a Máquina existir, estaremos dentro dela. Ela destruiu ou mutilou quase todas as sociedades tradicionais ou as levou a desmoralizantes situações defensivas. Se você tenta se retirar para um vale deserto e viver sossegadamente de uma agricultura de subsistência, pode crer que vai ser encontrado por um coletor de impostos, um funcionário do planejamento ou um policial. Com seus tentáculos, a Máquina pode alcançar virtualmente todos os lugares deste planeta em questão de horas. Nem nas partes mais remotas do deserto de Gobi você pode dar uma cagadinha sem ser notado.

Segundo capítulo do manifesto Bolo-Bolo



THE BACKYARD HEAVIES - JUST KEEP ON TRUCKIN' - 2007
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CAMINHEMOS SERENOS


Sob as estrelas, sob as bombas,
sob os turvos ódios e injustiças,
no frio corredor de lâminas eriçadas,
no meio do sangue, das lágrimas
caminhemos serenos.

De mãos dadas,
através da última das ignomínias,
sob o negro mar da iniquidade
caminhemos serenos.
Sob a fúria dos ventos desumanos,
sob a treva e os furacões do fogo
aos que nem com a morte podem vencer-nos
caminhemos serenos

O que nos leva é indestrutível,
a luz que nos guia conosco vai.
E já que o cárcere é pequeno
para o sonho prisioneiro,
já que o cárcere não basta
para a ave inviolável,
que temer, ó minha querida?
Caminhemos serenos.

No pavor da floresta gelada,
através das torturas, através da morte,
em busca do país da aurora,
de mãos dadas, querida, de mãos dadas
Caminhemos serenos

Papiniano Carlos



JB'S - FOOD FOR THOUGHT - 1972

A VIOLÊNCIA DAS LEIS


Muitas constituições foram criadas de modo a fazer com que as pessoas acreditassem que todas as leis estabelecidas atendiam a desejos expressos pelo povo. Mas a verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres, as leis não foram feitas para atender à vontade da maioria, mas sim à vontade daqueles que detêm o poder. Portanto elas serão sempre, e em toda parte, aquelas que mais vantagens possam trazer à classe dominante e aos poderosos. As leis são impostas utilizando os únicos meios capazes de fazer com que algumas pessoas se submetam à vontade de outras: pancadas, perda da liberdade e assassinato. Não há outro meio.


Nem poderia ser de outro modo, já que as leis são uma forma de exigir que determinadas regras sejam cumpridas e de obrigar determinadas pessoas a cumpri-las (ou seja, fazer o que outras pessoas querem que elas façam) e isso só pode ser obtido com pancadas, com a perda da liberdade e com a morte. Se as leis existem, é necessário que haja uma força capaz de fazer com que alguns seres se submetam à vontade de outros e esta força é a violência. Não a violência simples, que alguns homens usam contra seus semelhantes em momento de paixão, mas uma violência organizada, usada por aqueles que têm o poder nas mãos para fazer com que os outros obedeçam à sua vontade.

Assim, a essência da legislação não está no sujeito, no objeto, no direito, na idéia do domínio da vontade coletiva do povo ou em qualquer outra condição tão confusa e indefinida, mas sim no fato de que aqueles que controlam a violência organizada dispõe de poderes para forçar os outros a obedecê-los, fazendo aquilo que eles querem que seja feito.

Assim, uma definição exata e irrefutável para legislação, que pode ser entendida por todos, é esta: "As leis são regras feitas por pessoas que governam por meio da violência organizada e que podem fazer com que aqueles que se recusam a obedecê-las sofram pancadas, a perda da liberdade e até mesmo a morte".

Liev Tolstói
em A Escravidão de Nosso Tempo, 1900



DOWNLOAD: MEXICANO 777 - GOD'S ASSASSINS - 2001 - 192 Kbps
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FUNKAPHONIX - RAW & UNCUT FUNK - 1968~1975

VOL 1



VOL 3



VOL 5

SONETO CORRECIONAL


Incauto, um deputado se encaminha

a pé para a festinha da bancada.
De súbito, é cercado na calçada
e está preso no centro da rodinha.

Primeiro, um empurrão o desalinha.
Um murro deixa a boca ensangüentada.
Tentando reagir, o cara é cada
vez mais encurralado e só escoicinha.

Não tarda, e um pé mais ágil se revela.
Tropeça e cai, por fim, o desgraçado,
e um chute logo acerta-lhe a costela.

Já chovem pontapés de todo lado.
Os dentes do político esfacela
o bico dum sapato bem surrado.

Glauco Mattoso






AIFF - AFRO SOUL SYSTEM - 2007
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CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO




Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.


Carlos Drummond de Andrade






ANTONIO CARLOS JOBIM - STONE FLOWER - 1970
http://www.mediafire.com/?s4nvwf6ywbysbq5


Dizem-me: "A desgraça da tua terra nada mais é do que um aspecto da desgraça universal e as lágrimas e o sangue que foram vertidos no teu país são apenas algumas gotas do rio de sangue e lágrimas que corre dia e noite nos vales e planícies da Terra".

Sim, mas a desgraça do meu povo é uma desgraça muda, preparada e executada por serpentes, nas trevas e no sigilo.
Se o meu povo se tivesse revoltado contra governantes tirânicos e tivesse perecido inteiramente na rebelião, diria eu que a morte pela liberdade é mais honrosa do que a vida na submissão. E quem penetra na eternidade de espada na mão torna-se imortal - como a justiça é imortal.
Se o meu país tivesse tomado parte na luta das nações e perecido no campo de batalha, eu diria que a tempestade arranca na sua passagem os ramos verdes e os ramos secos e que a morte na tempestade é mais honrosa que a morte na apatia da velhice.
Se um terremoto houvesse assolado a minha pátria e enterrado sob os seus escombros meus parentes e bem amados, eu diria que as leis ocultas obedecem a uma vontade superior à vontade humana e não devemos procurar penetrar nos seus mistérios.
Mas meus parentes não morreram numa rebelião, nem no campo de batalha, nem num terremoto.
Meus parentes morreram crucificados.
Morreram no silêncio, pois os ouvidos da humanidade se fecharam para seus apelos e gritos.
Morreram porque não aceitaram aliar-se aos seus inimigos, como covardes; nem renegar seus amigos, como traidores.
Morreram porque não eram criminosos.
Morreram porque eram pacíficos.
Morreram de fome na terra onde jorram o mel e o leite.
Morreram porque os demônios roubaram os produtos de seus campos e os rebanhos de seus pastos.
Morreram porque as serpentes sopram o seu veneno na atmosfera, que antes era perfumada pelo hálito dos cedros e das rosas e do jasmin.

Meus e vossos parentes morreram, ó meus irmãos e compatriotas! Que podemos fazer por quem não morreu com eles?
Nossos lamentos não satisfarão a sua fome. Nossas lágrimas não aplacarão a sua sede. Deixá-los-emos perecer, sem fazermos uma tentativa para salvá-los?
Permaneceremos hesitantes, duvidosos, preguiçosos, distraídos do seu grande drama, pelas futilidades da vida?

Gibran Khalil Gibran



DOWNLOAD: FRATELLO BEATZ VOL 8 -
ISAAC HAYES SWEET LOOPS & SMOOTH BEATS - 2008 - 192 Kbps

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RAÇA DO CARALHO




DOWNLOAD: LEE PERRY - BLACK BOARD JUNGLE DUB - 1973 + EXTRAS












Excertos de entrevista concedida por Vera Malaguti Batista ao Fazendo Media em junho de 2006. Vera é autora do livro "O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história".



Poderíamos dizer que a imprensa ajuda a estimular a violência com o tipo de cobertura que faz?

Eu acho que sim. Acho que hoje a mídia, na sua totalidade, é sua principal protagonista, pois ela não permite um aprofundamento do problema, faz questão de deixar num nível superficial apenas. E nós temos a Globo, com o monopólio da opinião pública. Os outros disputam, mas mais ou menos todos reproduzem o padrão da Globo. Então essa discussão de violência no Brasil não avança. A imprensa é estimuladora do medo. Ao ficar na superfície, as razões maiores do aumento da violência não são discutidas, então a gente não caminha pra frente. Nós estamos nos agarrando a um modelo que só vai gerar mais violência, um modelo de segurança pública, um modelo prisional. A mídia está fazendo um elogio ao modelo norte-americano, quando este não é modelo para ninguém, pois é um modelo perverso - está aí Guantámano, um paradigma do que seria o que nós chamamos estado penal no neoliberalismo. A mídia faz parte, sim, do problema, mais forte do que há quinze ou vinte anos. A gente fala do discurso único econômico, mas ele vem junto com o discurso único penal. O discurso único econômico é o discurso no qual o Estado tem que gastar pouco, no qual temos que pagar com a riqueza nacional os juros do sistema financeiro internacional. Nós não temos um projeto de desenvolvimento nacional que seja nosso, que não seja subordinado à hegemonia norte-americana ou transnacional dos outros países, e o modelo penal que corresponde a isso é um modelo que aposta no rigor cada vez maior, que aposta na criminalização da pobreza. Assim, você vai cada vez prender mais por pequenos delitos, terá penas mais longas, menos garantias para os presos. Então estamos chegando ao absurdo: em 2007 teremos um total de 500 mil presos no Brasil.


Qual a sua análise sobre os últimos episódios que ocorreram em São Paulo?*

Eu acho que é a explosão de um sistema carcerário enlouquecido. Há dez anos no Brasil havia cerca de 100 mil presos; hoje, só em São Paulo são 140 mil, nas piores condições possíveis. Eu digo que o nosso sistema penal está conjugando perversamente Guantánamo com Carandiru. O rigor de Guantánamo, onde os presos fizeram uma rebelião pelo direito de se suicidar; por outro lado, as condições desumanas que existiam no Carandiru. Então a gente tem aqui no Rio, na Polinter, os presos se amarrando nas grades porque não têm espaço para dormir. Eu vi que o sistema penal de Vitória tinha tantos presos que eles ficavam o tempo todo dentro de viaturas. E aí a imprensa não discute as condições de vida dentro da cadeia. Ela trata, sim, de demonizar cada vez mais aqueles miseráveis que estão lá dentro. Que vão sendo transformados num marco legal que aumenta cada vez mais a pena, vão sendo brutalizados e transformados nesses "monstros" como se fossem inimigos da sociedade. Por exemplo, há presos que pedem para a família não visitá-los porque eles não querem que as filhas passem por aquela revista. Tivemos em São Paulo esse sistema se comunicando com uma periferia também explosiva, desiludida, desamparada, sem esperança, acostumada a receber um tratamento truculento dos órgãos de segurança com uma polícia que é atirada ao confronto. Nunca se mataram tantos policiais, nunca os agentes penitenciários trabalharam em condições tão desumanas. É um sistema que é bom para alguém, isso é que a gente precisa descobrir - pra quem é bom. Porque nos Estados Unidos este sistema é muito lucrativo. Você olha dentro dele e só vê latino-americano, afro-americano, e agora árabe. É altamente lucrativo porque é privatizado. Eu acho que o pânico também ajuda a manter posições menos razoáveis, então para alguma coisa serve. Não serve para paz pública e para segurança pública. O sistema prisional americano, por ser privatizado, é como uma empresa. Então, quanto mais cliente tiver, mais lucrativo fica. Você vê por aqui blindagem de carro, armamento, aparelhos de escuta. Vigilância privada é o setor que cresce na economia neoliberal. O neoliberalismo, por onde passou, criou violência. Ele cria não só desigualdade e concentração, mas também desesperança, competitividade, individualismo muito grande, cria ódio nas pessoas que estão fora do sistema de consumo. Essa raiva, no Brasil, vem a se somar com nossa tradição de extermínio de índios, nossas permanências do sistema escravocrata. Como diz Joel Rufino dos Santos, o Brasil tem uma história de 500 anos dos quais 400 são com escravidão.


A imprensa agora não coloca mais os nomes de facções criminosas, fotos, nomes de traficantes, pois acredita que isso glamuriza e os torna heróis. O que você acha?

O glamour deles vem da despolitização que a imprensa fez, dos ataques que ela fez a todas as lideranças de esquerda, que transformou toda a juventude rebelde numa força que tem algo de rebeldia, mas não tem uma canalização política e ideológica. Então, o resultado é isso. E também tem toda uma geração de crianças criadas em uma cultura onde ela tem que pular cabeças cortadas, corpos, meninos que levam tapa na cara e isso estimulado pela mídia o tempo todo. A gente coloca a polícia para fazer o papel de ser caçador de pobre e em comunidades da periferia de São Paulo, dos Alagados, Pernambuco, Salvador, Rio. A maneira de lidar com os delitos na pobreza é com valas, bater. E cada vez que a violência aumenta as pessoas acham que tem que bater mais, que tem que matar mais. Então nós estamos numa espiral suicida que não é boa para ninguém, mas a gente continua nela. Fora os discursos oportunistas eleitorais, esses deputados que não estudam, não pensam e querem aparecer na mídia propondo exatamente o remédio que está nos matando.


Por que, no seu entender, a mídia sempre está criando a figura do bem e do mal, ao tratar destes assuntos?

Porque é mais fácil. É um processo de imbecilização e ela está conseguindo criar uma coisa que nos Estados Unidos tem um pouco: o imbecil médio. É aquele cara que vê Fantástico, que se informa pela revista Veja. Aí nós temos o imbecil médio nacional, impossibilitado de pensar criativamente.


*Em maio de 2006 ocorreram em São Paulo diversos ataques a entidades públicas, principalmente órgãos policiais, deixando diversos mortos. Tais ataques foram atribuídos a presos que os teriam ordenado como protesto às condições precárias dos presídios.



SAMURAI CHAMPLOO OST


NUJABES + FAT JOHN - DEPARTURE
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TSUTCHIE + FORCE OF NATURE - MASTA
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TSUTCHIE - PLAYLIST


FORCE OF NATURE + NUJABES + FAT JOHN - IMPRESSION
http://www.mediafire.com/?z226tue3aitne1m



MIDICRONICA - #501
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ASAZAKI IKUE - UTABAUTAYUN
http://www.mediafire.com/?4eyqf90z53q5ptf


Samurai Champloo é uma série de anime criada por Shinichiro Watanabe, o mesmo autor de Cowboy Bebop. Clique aqui para baixar individualmente qualquer episódio da série em formato RMVB com legendas em português.


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.


Alberto Caeiro


AFRICAN MUSIC MACHINE - BLACK WATER GOLD - 1973
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Dei-me sempre com pessoas que têm uma concepção original da vida, que não se deixam levar pelo que lêem nos jornais, sabendo muito bem ler nas entrelinhas. Tais pessoas são felizes. Eu sou feliz. Comigo só trago o bilhete de identidade, ou melhor, o cartão de residente. É o único cartão que trago na carteira, não tenho cartão de crédito nem talão de cheques. A vida é maravilhosa, mas é preciso uma pessoa saber desprender-se de tudo isso que desgraçadamente dá felicidade aos imbecis.


Se o mundo se transformou numa coisa mal-humorada, isso deve-se, sem dúvida, ao fato de agora ser preciso muito dinheiro para viver. A vida é muito simples, mas tudo conspira para a tornar complicada. É quando nos vemos livres da ambição do dinheiro, do orgulho ou do poder que a vida se revela formidável.


Um idiota preguiçoso continua sempre sendo um idiota! E um preguiçoso inteligente é alguém que refletiu acerca do mundo em que vive. Não se trata, pois, de preguiça. É tempo de reflexão. E quanto mais preguiçoso fores, mais tempo tens para refletir. E é por isso que, no oriente, isso se designa por filosofia oriental. A maior parte das pessoas tem tempo. Quanto mais se desce para o sul, mais encontramos profetas, magos, pessoas que refletiram sobre o mundo.


Não fazer nada é uma atividade interior; não é preguiça, é reflexão.

Albert Cossery




ARTANKER CONVOY - MATURE FANTASY - 2005
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O homem na penitenciária é a imagem virtual do tipo burguês em que ele deve se transformar na realidade. Os que não o fizeram lá fora serão forçados a isso aí dentro numa terrível pureza .


Theodor W. Adorno



B. B. KING - LIVE IN COOK COUNTY JAIL - 1971
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O poder corta e torna a cortar a erva daninha, mas não pode atacar a raiz sem atentar contra a sua própria vida. Condena-se o criminoso, não a máquina que o fabrica, como se condena o viciado e não o modo de vida que cria a necessidade de consolo químico ou sua ilusão de fuga. E assim se exime da responsabilidade de uma ordem social que lança cada vez mais gente às ruas e às prisões, e que gera cada vez mais desesperança e desespero. A lei é como uma teia de aranha, feita para aprisionar moscas e outros insetos pequeninos e não os bichos grandes, como conclui Daniel Drew. E já faz um século que José Hernández, o poeta, comparou a lei com uma faca, que jamais fere quem a maneja. Os discursos oficiais, no entanto, invocam a lei como se ela valesse para todos e não só para os infelizes que não podem evitá-la. Os delinqüentes pobres são os vilões do filme: os delinqüentes ricos escrevem o roteiro e dirigem os atores.

Eduardo Galeano



DOWNLOAD: LE PEUPLE DE L'HERBE - RADIO BLOOD MONEY - 2007 - VBR 160~192
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Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

Carlos Drummond de Andrade



DOWNLOAD: BAR-KAYS - SOUL FINGER - 1967 -

LIBERDADE DE EXPRESSÃO


tenho me engajado a vida inteira na luta e na defesa da liberdade. aqui pretendo falar daquela liberdade que deve ser completa, total, absoluta: a de pensar, falar, imaginar e escrever definitivamente tudo sem que nada impeça, nada proíba; nada censure, nada se interponha, nada reverta ou abale; nada torture ou aprisione. que tudo responda, mas que nada rasgue, queime, impossibilite, processe, violente, mude, refaça, esconda, ameace.
e pensar isso e assim nesse país infeliz (não que haja países felizes) que carrega o fascismo como corpo e alma, como história e memória, como cotidiano e crença, é pedir demais.
uma das loucuras aceitas como normalidade é o “delito de opinião”, que permite processar os que escrevem, como se isso fosse a maior conquista do mundo. em nome de todos os bons conceitos, das boas idéias, do reto caminho, todos renunciam à liberdade, justificam a censura em todas as suas sutis formas, o corte, o processo, a perseguição, a imposição. outra é a “apologia ao crime”, como se defender qualquer forma de crime, de delito, de horror reproduzisse magicamente esse horror, como se fossem todos imbecis que não podem nem conseguem discernir nada. e quem “omite opinião” é processado, preso e perseguido, e isso não é visto como o maior dos horrores, uma brutalidade.
nada, absolutamente nada do que é ou pode ou já foi escrito é mais abominável que as ações contra o escrito, o pensado, o desejado, o dito, o visto. tudo, absolutamente tudo, pode e deve ser dito, ser escrito, ser transformado em imagem, em som, em algo manipulável. nossa função é defender essa forma absoluta de liberdade e a sua também absoluta resposta e lutar contra o abominável que foi escrito, pensado, falado, filmado, mas jamais proibir. a luta se faz entre as escritas, entre falas.
defender, propagar, expor todas as formas de exploração como se fizesse o bem, os apartáides, todos os nazismos, todas as formas de terrorismo, a pedofilia, a proibição de livros e idéias, as chacinas, os massacres, as perseguições, as torturas, as humilhações, as intervenções, as desproteções, as dormências, os conformismos, os genocídios, as repressão, o terror, os racismos, as homofobias, os machismos: - são absolutamente detestáveis, ridículas e monstruosas, mas devem ter o direito de serem ditos. devo ser livre para escolher ou não o abominável, sem que ele seja retirado violentamente dos meus sentidos, do meu corpo, da minha consciência, da minha convivência como se fôssemos “débeis mentais”, “escravos” ou “crianças”: eu devo escolher, eu posso escolher, eu luto para escolher, eu sou escolha. não pode ser a polícia, o exército, a tradição, o mercado, a mídia, os intelectuais, o partido, o bom gosto, o bom tom, a justiça, o estado, o síndico, o sacerdote, o prefeito, o censor, o professor, o pai: precisamos aprender a conviver com a diferença e com a liberdade que essa diferença exige. a tolerância absoluta é ao “escrito” (ficção de convicção), jamais ao intolerável que, se exercendo, destrói essa liberdade e outras que são essenciais.
tudo dizer, tudo escrever, tudo ouvir, tudo ver, tudo escrever, tudo ouvir, tudo pensar tem como correlato a luta obsessiva contra as múltiplas barbáries que transformam tudo em mercadoria, em cinzas ou numa perversa violência sem fim. nada pode ser íntegro, intocável; nada deve sair ileso; nada é sagrado, nada é puro; nenhuma idéia, nenhum nome, nenhuma relação, nenhuma crença, nenhuma noção, nenhum deus, nenhuma gramática, nenhum costume, nenhum corpo, nenhuma cor, nenhuma memória, nenhum desejo, nada pode escapar ao ridículo, à crítica, ao escracho, ao escárnio, à dissolução, ao direito de ser exposto, comparado, diminuído, posto na sua devida estatura.
o que não resiste, não se agüenta, o que chama a polícia, a justiça, os amigos, os capangas, o exército é porque não vale a pena. se valesse a pena responderia à altura, lutaria com as mesmas armas, sem impor sua evidência de poder sem contestação, sua evidência monstruosa. ao clamar os poderes se esvazia de valor, de verdade, comungando com tudo aquilo que impõe sombras, violência e mercadoria como horizonte único.
não é à toa que no brasil a palavra sempre teve donos, sempre foi vigiada, sempre fez parte de sistemas de permissão e proibição, sempre foi propriedade privada, sempre foi fazenda e fábrica, sempre se colou à moral, à imagem, aos bons costumes, à pessoa: sem a garantia da palavra, sem a palavra garantida e protegida, grande parte das crenças estúpidas e fascistas dos brasileiros se desmoraliza e sua situação de dependência aparece.
entre os brasileiros a palavra deve, precisa inapelavelmente ser tutelada, protegida, abrigada, brindada; o indivíduo não pode estar só diante da tempestade do dizer: é preciso chamar o rei, a lei, todas as formas de poder para protegê-lo da parrhesia dos trágicos cínicos, a liberdade de linguagem, a liberdade de falar francamente a sua verdade sem mediações permitidoras ou censoras.
essa palavra tutelada dos brasileiros torna-os eternamente infantis, recorrendo sempre ao papai quando sua imagem é atingida, quando sua vida é exposta, quando sua moral é danificada: são incapazes de dizer de volta e na medida, incapazes de rejeitar a palavra sem o apoio do rei ou da lei: são castrados ao castrarem com a lei e com o rei. ao não enfrentarem as tempestades das palavras, além de se tornarem fracos, fortalecem as tempestades viciadas, os nazismos e todas as formas monstruosas das palavras. ao buscarem a verdade com a força se enfraquecem e a verdade e o direito somem. todos são "senhores de engenho", intocáveis em sua imagem, sua moral e história: o senhor ainda está colado nas costas do brasileiro até quando ele pensa "defender os seus direitos".

Alberto Lins Caldas



MONGO SANTAMARIA - DAWN (AMANECER) - 1977
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